O MESTRE ALEIJADINHO
Euclásio Ventura – Retrato de Aleijadinho
Esse mulato de gênio
lavrou na pedra-sabão
todos os nossos pecados,
as nossas luxúrias todas,
e esse tropel de desejos
e essa ânsia de ir para o céu
e de ficar mais na terra;
Era uma vez um Aleijadinho,
não tinha dedo, não tinha mão,
raiva e cinzel lá isso tinha,
era uma vez um Aleijadinho,
era uma vez muitas igrejas
com muitos paraísos e muitos infernos,
era uma vez São João, Ouro Preto, Sabará, Congonhas,
era uma vez muitas cidades
e um Aleijadinho era uma vez.
(Carlos Drummond de Andrade )
Aleijadinho, Antônio Francisco Lisboa, nasceu no dia 29 de agosto de 1.730, afirmação feita com base na certidão de batismo. Mas outros autores defendem a teoria de que o mestre teria nascido em 1.738, baseada no registro de óbito do livro nº 5 também encontrado na Matriz de Antônio Dias. Era filho natural do arquiteto português Manoel Francisco Lisboa e de uma de suas escravas.
Segundo pesquisadores, a lepra nervosa é a única afecção capaz de explicar a mutilação (perda dos dedos dos pés e alguns das mãos), a deformidade (atrofia e curvamento das mãos) e a desfiguração facial, as quais lhe valeram a alcunha de Aleijadinho. Sua imagem ficou intolerável: “Antônio Francisco perdeu todos os dedos dos pés, do que resultou não poder andar senão de joelhos; os das mãos atrofiaram-se e curvaram, e mesmo chegaram a cair, restando-lhe somente, e ainda assim quase sem movimento, os polegares e os índices. As pálpebras inflamaram-se e, permanecendo neste estado, ofereciam à vista sua parte; perdeu quase todos os dentes e a boca entortou-se como sucede freqüentemente ao estuporado; o queixo e o lábio inferior abateram-se um pouco, assim o olhar do infeliz adquiriu certa expressão sinistra e de ferocidade que chegava mesmo a assustar a quem quer que o encarasse inopinadamente. Esta circunstância e a tortura da boca o tornaram de aspecto asqueroso e medonho”. As fortíssimas dores que sofria e seu gênio impaciente e colérico o levaram a amputar, ele mesmo, seus dedos, servindo-se para isso do formão com que trabalhava. Mas sua doença não o impede de trabalhar. Apesar de ter-se isolado, trabalhando sempre escondido, ainda era alegre com seus amigos mais íntimos, os seus escravos: Maurício, Agostinho e Januário que o ajudavam em tudo, atavam-lhe as ferramentas para que ele pudesse trabalhar, as joelheiras para arrastar-se e subir escadas, carregavam-no nas costas, quando voltada ou ia para o trabalho, fugindo dos olhares alheios, bem tarde da noite. A eles ensinou seu ofício.
Foi preparado tecnicamente para a arte barroca por quatro grandes mestres da época: seu pai, seu tio e dois outros profissionais portugueses de grande experiência. Mas, a influência que porventura recebeu do progenitor e de outros mestres do tempo não teve importância decisiva na sua formação artística. Ele era um fiel aluno de si próprio e já nasceu dotado de dons excepcionais para as artes plásticas, como exímio entalhador e escultor.
Foi preparado, também emocionalmente, por causa da condição de escravo alforriado de mulato altivo. Dedicava-se freqüentemente à leitura, lendo preferentemente a Bíblia, de onde tirava também inspiração para suas figuras, e livros de anatomia, onde procurava, além de lição para seu trabalho, pontos de referência para o conhecimento de sua doença. Era católico, ia sempre à missa na igreja de Antônio Dias, carregado numa cadeira ou no ombro de um escravo. Viveu, em seus últimos anos, com sua nora, a parteira Joana Lopes. Sua vida extinguiu-se em 18 de novembro de 1.814, aos 76 anos.Aleijadinho foi um homem visceralmente barroco, vivendo num cenário barroco, utilizando matéria-prima barroca, numa época barroca de ambiguidades barrocas: ele era o homem certo, o artista predestinado. Sua obra impressiona não só pela beleza, mas também pela quantidade.